A Crise do Custo de Vida: Salário Mínimo em Moçambique Sobe Apenas 49 Meticais, Expondo Desigualdades Estruturais


A aprovação da nova tabela de salários mínimos nacionais pelo Conselho de Ministros, em 2 de setembro de 2025, deveria ser um marco de progresso para a classe trabalhadora moçambicana. Contudo, a decisão gerou uma onda de controvérsia e profunda desilusão. O reajuste, que em alguns setores mal ultrapassou os 49 meticais, foi rapidamente classificado como simbólico e uma afronta às necessidades básicas dos trabalhadores, ficando muito aquém das expectativas de sindicatos e da população em geral.

Esta atualização não apenas falha em acompanhar o ritmo do custo de vida, como também coloca em destaque as disparidades estruturais da economia, onde setores de alto valor (como a banca) são privilegiados em detrimento de indústrias de base (como a pesca e a agricultura), que empregam a maioria dos moçambicanos.

Tabela Salarial 2025: A Disparidade em Números

A nova tabela salarial, em vigor desde 1 de julho de 2025 (com aprovação em setembro), mostra uma diferença gritante entre os setores mais e menos remunerados.

O reajuste percentual variou entre cerca de 1,0% e 6,8% nos setores privados e sem mexidas na Função Pública, expondo a disparidade de rendimentos.

Setor de AtividadeSalário Mínimo Anterior (2024)Novo Salário Mínimo (2025)Aumento (MT)Aumento (%)
Pesca de Kapenta (Setor 2.1)4.941,68 MT4.991,09 MT+49,41 MT1,0%
Agricultura, Pecuária (Setor 1)6.338,00 MT6.688,00 MT+350,00 MT5,5%
Construção Civil (Setor 6)8.000,00 MT8.400,00 MT+400,00 MT5,0%
Indústria Transformadora (Setor 4)9.497,50 MT10.147,50 MT+650,00 MT6,8%
Banca e Seguros (Setor 8.1)17.881,32 MT19.043,61 MT+1.162,29 MT6,5%

Fonte: Adaptação dos dados do INSS e fontes oficiais.

O aumento de apenas 49,41 meticais no setor da pesca de kapenta torna-se o símbolo desta crise, significando que milhares de trabalhadores rurais e de subsistência não tiveram praticamente qualquer alteração no seu rendimento mensal.

Em contraste, o setor da banca e seguros — que já detinha o salário mais alto — registou um reajuste superior a mil meticais. A diferença entre o salário mínimo mais baixo e o mais alto ultrapassa quatro vezes o rendimento mensal, aprofundando as desigualdades sociais e regionais.

Reações Sindicais e a Frustração na Função Pública

A Organização dos Trabalhadores de Moçambique — Central Sindical (OTM-CS) foi vocal na sua condenação, classificando os novos salários como “números vergonhosos”. A principal crítica reside no facto de o aumento aprovado não cobrir sequer as necessidades básicas de uma família média, muito menos compensar a erosão do poder de compra causada pela inflação.

Sindicatos têm vindo a pressionar o Governo e o patronato (CTA) para a criação de um mecanismo automático de atualização salarial, vinculado ao índice de preços ao consumidor. Argumentam que a dependência de negociações anuais tem-se revelado ineficaz, perpetuando o ciclo de baixos salários.

A frustração é particularmente sentida na Função Pública (Setor 9), que não registou qualquer alteração. Professores, enfermeiros, técnicos administrativos e outros funcionários esperavam uma revisão para lidar com o custo de vida crescente. Esta ausência de reajuste pode afetar a motivação e, consequentemente, o desempenho dos serviços públicos.

📈 O Contexto Económico: O Peso Esmagador da Inflação

O principal fator que anula qualquer ganho real nos novos salários é a inflação. O custo de vida em Moçambique tem aumentado drasticamente, sobretudo no preço dos alimentos, transporte e energia.

Analistas económicos e organizações independentes apontam que, na realidade, uma família de referência necessita de mais de 20 mil meticais por mês para cobrir despesas essenciais. Se grande parte dos trabalhadores recebe menos de um quarto deste valor, o reajuste, mesmo no setor da banca, não representa um ganho real e, em muitos casos, representa uma perda contínua de poder de compra.

Este ciclo de aumentos pouco significativos nos últimos cinco anos (em 2023, alguns setores tiveram reajustes inferiores a 100 meticais) reforça o argumento de que o modelo atual de negociação salarial está desconectado das necessidades reais da população. A sustentabilidade económica das empresas não pode ser alcançada à custa da dignidade humana.

O Debate Necessário: Do Salário Mínimo ao Salário Digno

A discussão sobre os salários mínimos em Moçambique está intrinsecamente ligada ao conceito de salário digno.

Organizações da sociedade civil defendem que o foco não pode ser apenas no valor nominal do reajuste, mas sim no montante necessário para que uma família viva com dignidade, cobrindo despesas básicas de alimentação, habitação, transporte, educação e saúde. Este conceito, usado como referência em vários países, visa garantir condições básicas de vida. Em Moçambique, a negociação ainda não reflete de forma adequada esta realidade.

O aprofundamento das desigualdades entre setores, concentrando a riqueza no setor financeiro e mantendo os setores de base na pobreza, representa um risco social e económico que o Governo não pode ignorar.

🔮 Expectativas e Cenários Futuros

Após a aprovação da nova tabela, a pressão dos sindicatos por revisões extraordinárias deverá intensificar-se, havendo a possibilidade real de manifestações ou greves em setores mais afetados caso o diálogo permaneça fechado.

Economistas recomendam que o Governo adote políticas de médio e longo prazo que visem, simultaneamente, a sustentabilidade das empresas e a dignidade dos trabalhadores. Sem uma reforma no modelo de fixação do salário mínimo que incorpore o custo de vida real e a produtividade, o debate anual continuará a ser uma fonte de frustração e um motor de desigualdade social.

O desafio de Moçambique é equilibrar as contas das empresas com a necessidade urgente de garantir condições de vida minimamente dignas aos trabalhadores, que são o motor da economia nacional.

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